Coletivo Ana Montenegro

domingo, 13 de junho de 2010

ESCRAVOS DO DESCASO POLÍTICO E DA IGNORÂNCIA SOCIAL

“Os direitos humanos das mulheres e meninas são parte integrante, indivisível e inalienável dos direitos humanos universais e que a violência de gênero é incompatível com a dignidade e o valor da pessoa humana”. ( Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena -1993)

Em pleno século XXI nos deparamos com casos esdrúxulos, aparentemente normais, que a sociedade visualiza de fora pra dentro, isto é, o descaso da violência de gênero e dos direitos humanos de mulheres e crianças que convivem na base elementar da sociedade civilizada, esta que tem por princípio protegê-las.

Segundo Ribeiro, Jailson José “Um dos maiores problemas dessa geração é a reprodução da ignorância social. O desconhecimento de direitos e deveres já não faz parte apenas da consciência de pessoas – que por falta de oportunidade – não freqüentaram escolas, não aprenderam a ler, ou simplesmente não têm senso de criticidade. É inaceitável pensar que em um tempo, em que mais do que nunca, há tantas pessoas freqüentando universidades, a ignorância perdure e tenda a perdurar, porque ao que parece, essa geração não quer na práxis mudanças, isto é, fica só no discurso o desejo de que as coisas sejam diferentes.”

No município de Pinheiro (MA), terra natal do atual Presidente do Senado Federal, recentemente descobriu-se “Filhos de jovem mantida em cárcere pelo pai passavam fome e sofriam maus-tratos” ver matéria em anexo. Um exemplo real da barbárie, do abandono e do descaso das políticas públicas, que são vitimas principalmente mulheres e crianças. Serão eles culpados do descaso político e da ignorância social, ou apenas mais um entre tantos outros que eventualmente ainda iremos descobrir e presenciar?

As vítimas da miséria, da pobreza e da exclusão social, encontravam-se numa posição vulnerável de abandono e escravidão sexual. Em geral, nesse contexto, são mulheres e crianças pobres, negras/afro descendentes, trabalhadoras de baixa-renda/desempregadas, que se encontram em situação degradante e, na maioria das vezes, em países pobres. E este não é um caso isolado, apenas do Maranhão ou do Norte/Nordeste como a mídia sensacionalista nacional tenta explicar o fato.

Para contribuir com este debate, faço a seguinte indagação, onde estavam as organizações civis e instituições de planejamento, controle e acompanhamento das políticas públicas dos Governos (Federal, Estadual e Municipal), durante todo este tempo? IBGE, Secretaria da Mulher, (Políticas Públicas de Gêneros), Secretaria de Saúde (Agentes Comunitários), Secretaria de Educação, Conselho Tutelar, Associações e Organismos Religiosos e o censo de justiça dos vizinhos destas inocentes vítimas?

A decadência dos poderes públicos constituídos e a inércia dos sistemas macroeconômicos, que se preocupam somente com o superávit da balança comercial brasileira e de seus respectivos parceiros comerciais internacionais; vêm propiciando para que uma parcela significativa da população permaneça em situação de extrema pobreza. A ausência de amparo e negligência do Estado para garantir educação, saúde, segurança pública, habitação e lazer, que são recursos mínimos de sobrevivência do ser humano, é que continua permitindo que fatos escabrosos com este coexistam com os valores reais de direito à vida e à dignidade humana.

“Quem não se movimenta não sente as amarras que o prende.” Rosa Luxemburgo

Deste modo, entendemos que precisa haver avaliações conjuntas das instituições e da sociedade civil organizada. Estas precisam urgentemente promover programas especiais em atenção às mulheres (gêneros) e crianças, sujeitas às múltiplas discriminações e violência e/ou exploração sexual. É necessário ir mais além e alertar que não se trata apenas de projetos financiadores dos governos, mas sim uma educação permanente dos atores sociais que vivem inseridos neste contexto, afim de promover a conscientização de sua realidade.

É certo o que diz Marx “ A opressão da mulher é fruto da divisão da sociedade em classes sociais antagônicas, da dominação de uma classe sobre as outras. Sendo assim, só terminará com o fim da exploração do homem pelo homem, ou seja, no socialismo.”

“Liberdade efetiva é a efetivação do direito.” (Hegel)

Opine, senti-me provocada e você?

Aneri Tavares.
Professora, Historiadora, Consultora em Políticas Públicas e Militante dos movimentos sociais.

FONTES: http://ec.europa.eu/justice
http://www.domtotal.com/direito A Reprodução da Ignorância Social ,Autor: Jailson José Ribeiro
Período: Acadêmico do 1º Período de Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara

Como a Mídia trata o Assunto.
FILHOS DE JOVEM MANTIDA EM CÁRCERE PELO PAI PASSAVAM FOME E SOFRIAM MAUS-TRATOS
GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO
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"O lugar parecia um chiqueiro. O chão era de areia, uma imundície", diz José de Ribamar Brito, do Conselho Tutelar de Pinheiro, sobre o casebre onde o lavrador José Agostinho Bispo Pereira, 54, manter a filha em cárcere privado por 15 anos no município de Pinheiro (MA). Nesse período, ele teria abusado sexualmente da filha --hoje com 28 anos-- e tido sete filhos com ela.



Imagem cedida pela polícia mostra casa onde morava lavrador acusado de abuso sexual
A equipe de resgate encontrou os meninos e meninas com fome e praticamente sem roupas. Segundo o conselheiro, as crianças achadas têm dificuldade de comunicação e são bastante arredias. Tanto as crianças quanto a mãe não sabem ler nem escrever.
A situação mais preocupante é a do menino de nove anos, que tem problemas congênitos. Além de surdo-mudo, o menino tem deficiência mental e quase não consegue se comunicar.
Após o atendimento médico, uma das primeiras medidas da equipe que resgatou os filhos do lavrador foi chamar um cabeleireiro para cortar os cabelos das crianças, que estavam sujos e infestados de piolhos.
De acordo com os policiais, as crianças sofriam maus-tratos, estavam subnutridas e nunca frequentaram a escola. Também tinham dificuldade de entender o que aconteceu. Uma equipe composta por psicólogos, médicos e assistentes sociais foi designada especialmente para o caso.
Crime
Pereira foi preso em flagrante na noite de terça-feira (8) e, de acordo com a polícia, confessou o crime e responderá por cárcere privado e estupro de vulnerável, além de abandono material, abandono intelectual, maus-tratos, pelas condições em que se encontravam a jovem e as crianças. Ele está detido na Delegacia Regional de Pinheiro.
Segundo os delegados responsáveis pela investigação, o acusado começou a abusar da filha quando ela tinha 12 anos e, desde então, vivia maritalmente, escondido no povoado. Com a filha, Pereira tem filhos de 12, 8, 6, 5, 4 e 2 anos, além de um bebê com pouco mais de dois meses.

Deu na Veja: Horror no Maranhão
Por Júlia de Medeiros, da Veja:
A pedofilia é quase endêmica em regiões do Norte e Nordeste do país. Ainda assim, o drama vivido por Sandra Maria Monteiro, de 29 anos, assombrou a cidade maranhense de Pinheiro, a 340 quilômetros de São Luís. Aos 12 anos, Sandra começou a ser abusada sexualmente por seu pai, o lavrador e pescador José Agostinho Bispo Pereira, de 54 anos. Aos 17, engravidou dele pela primeira vez. Ao todo, teve sete filhos com Pereira. O mais novo nasceu há dois meses. Todos foram registrados apenas com o nome da mãe.
Os médicos constataram que a quarta filha, de 5 anos, foi molestada. O hímen da garota foi rompido parcialmente e há ferimentos e inflamações no interior de sua vagina – indicadores de que ela sofreu um ataque recente. Os legistas acreditam que as lesões podem ter sido causadas pela introdução de dedos ou objetos. Arredia, a menina chora muito e nega as agressões, uma reação comum em crianças vítimas de crimes sexuais. Sua irmã mais velha, de 8 anos, contou à polícia que o pai/avô também “mexia” nela própria. Como essa menina continua virgem, a polícia concluiu que ela era bolinada por Pereira. Sandra, irmã e mãe das crianças, diz que não sabia que suas filhas também eram atacadas.



Sandra Monteiro teve o primeiro filho com seu pai, José Agostinho (ao lado), com 17 anos. Os abusos ocorriam em um casebre de pau a pique onde a família vivia isolada, a uma hora e meia de viagem da cidade de Pinheiro. Com o vizinho mais próximo a 1 quilômetro de distância, Pereira perpetrava suas monstruosidades com liberdade absoluta, desde que sua mulher o deixou só com os quatro filhos, para se juntar a outro homem, em São Luís. Sandra saía pouco de casa e só o fazia quando o pai autorizava.
A cada nova gestação, inventava um namorado fictício, que dizia aos dois irmãos e à irmã mais velha ser o pai do bebê. Seis anos mais novo que Sandra, José Inácio Monteiro desconfiava das mentiras, mas nada fez. A primogênita, Maria Sandra Monteiro, de 31 anos, disse que tem um filho de 14 anos com o pai e que foi violentada até fugir de casa. O outro irmão ainda não foi identificado pela polícia e, por isso, não forneceu o seu depoimento.
O horror foi revelado depois que um dos vizinhos mais próximos denunciou a um político local as condições em que os Pereira viviam. Ele suspeitava não só de abuso sexual, como também de que Sandra e seus filhos viviam presos. As crianças foram encontradas seminuas e desnutridas – alimentavam-se apenas de peixe e farinha de mandioca. Nunca haviam escovado os dentes. Mudo, o segundo filho, de 8 anos, jamais recebeu tratamento.
Depois de quinze dias de investigação, Pereira foi preso em flagrante por abandono, maus-tratos e cárcere privado. Sandra e seus filhos foram levados para o Conselho Tutelar de Pinheiro. No início, ela negou ter sido forçada pelo pai a fazer sexo. Depois, admitiu o incesto. Pereira confirmou as relações com a filha e que é pai das crianças, à exceção da mais velha. De acordo com Sandra, porém, o primogênito também é do pai. Pereira alegou que foi seduzido pela filha ainda menina. “Ela vinha deitar na rede comigo”, diz o monstro. Ela nega. “Eu não queria, mas ele ficava bravo”, afirma Sandra.

Quando é questionada sobre seus sentimentos em relação a Pereira, ela responde que o perdoa e o ama como pai. “Esse tipo de comportamento é comum em casos como o de Sandra, porque ela viveu em um ambiente no qual a pedofilia e o abuso não são tidos como condenáveis”, diz Claudio Cohen, coordenador do Centro de Estudos e Atendimentos Relativos ao Abuso Sexual da Universidade de São Paulo. As agressões a que Sandra foi submetida são semelhantes às sofridas pela austríaca Elizabeth Fritzl (foto). Em 2008, aos 42 anos, ela foi resgatada pela polícia de um porão onde foi presa pelo pai quando contava somente 18 anos. Desde os 11 anos, Elizabeth foi estuprada seguidamente pelo pai e teve sete filhos de seu carrasco.
No ano passado, Fritzl foi condenado à prisão perpétua por incesto, estupro, cárcere privado e homicídio. Pereira também deve receber uma punição dura. Os delegados estimam que os estupros possam lhe render uma pena de quarenta anos de prisão. A pesquisadora Maíra de Paula Barreto relata que é costume em comunidades ribeirinhas do norte do Brasil que o pai desvirgine suas filhas. Segundo ela, o mito do boto amazônico, que em noites de lua se transformaria em homem para engravidar virgens, pode ter sido criado para encobrir casos de incesto e pedofilia paternos. Está longe de ser um conto de fadas.
Postagem: Aneri Tavares.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

LANÇAMENTO DO LIVRO : “LUTA, SUBSTANTIVO FEMININO”





Algumas estavam grávidas, outras amamentavam, todas foram torturadas e, não raro, violentadas. Adiante algumas foram mortas e/ou desapareceram, e outras sobreviveram. Essas histórias estão no livro “Luta, Substantivo Feminino”, que será lançado na terça-feira, dia 8, na sede da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MA), pelo ministro Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos, às 17h, no Jaracaty.

A obra é o terceiro livro da série “Direito à Memória e à Verdade”, desta vez focado nas mulheres vítimas da ditadura militar brasileira (1964-1985). O livro intercala as histórias de 45 mulheres mortas ou desaparecidas e os relatos de 27 sobreviventes de diferentes organizações de resistência à ditadura, armadas ou não.

Seus casos foram julgados pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, em 15 anos de atividade. A obra traz informações sobre as circunstâncias em que essas mulheres morreram ou desapareceram.

Na apresentação da obra, o ministro Paulo Vannuchi, que é o principal responsável pelo 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), afirma que a publicação “pode mudar opiniões de quem ainda resiste à elucidação profunda de todos esses episódios como passo necessário a uma reconciliação nacional. Há muitos enfoques a serem completados sobre a ditadura militar e o da mulher era um deles”.

O QUE: lançamento do livro Luta, Substantivo Feminino
QUANDO: terça-feira, dia 8, às 17h
ONDE: na sede da OAB-MA (Jaracaty)

sábado, 5 de junho de 2010

A evolução dos indicadores sociais sobre as mulheres no Brasil

Em seminário no Rio de Janeiro, no último dia 01/06, o governo brasileiro apresentou o “4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Foi destacada a redução dos índices de mortalidade materna – que ocorre até 42 dias após o término da gravidez, atribuídos a causas ligadas à gravidez, ao parto e ao puerpério, em relação ao total de nascidos vivos. No início da década eram registradas 140 mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos. Atualmente, o número caiu para 75, mas a meta para os próximos cinco anos é reduzir a proporção para 35.

Outro desafio para o Brasil cumprir as Metas do Milênio até 2015 é a ascensão das mulheres a cargos no alto escalão do governo e de empresas privadas. Segundo o documento, “tanto no Congresso Nacional como nos postos eletivos subnacionais e em cargos do Executivo e Judiciário, evidencia-se a perseverante ausência das mulheres. A política formal ainda é um campo eminentemente masculino no Brasil e a alteração desse quadro é um grande desafio para o Estado”.

Sobre os motivos para esta subrrepresentação, são citadas as dificuldades femininas para lançar candidaturas, para se colocar nos espaços partidários, os limites que a menor presença e os estereótipos de gênero impõem à própria atuação das mulheres parlamentares, a reprodução desses estereótipos pela mídia e as formas como o binômio público-privado e a divisão sexual do trabalho influenciam e a legislação de cotas que até recentemente foi muito pouco efetiva, pois não determinava a obrigatoriedade do cumprimento das cotas e nem sanção em caso de não cumprimento.

O relatório cita o avanço da minirreforma eleitoral, que garante o preenchimento obrigatório das cotas de candidatos por sexo, um mínimo de 30% e um máximo de 70% para ambos os sexos, a reserva de parte de recursos do Fundo Partidário para programas de promoção e difusão da participação política das mulheres e a reserva de tempo da propaganda partidária gratuita para promover e difundir a participação política feminina. “São passos que podem se mostrar importantes em direção ao aumento da participação das mulheres na política”.

No que diz respeito à presença de mulheres em cargos de confiança no Poder Executivo Federal, o documento do Ipea indica que, quanto maior o cargo, menor a possibilidade de ser ocupado por uma mulher. “Em outubro de 1999, elas eram somente 13% dos DAS 6 – o mais alto cargo na hierarquia do Executivo Federal, abaixo apenas dos de ministros de Estado. Dez anos depois, alcançam tão somente 20% desses cargos. No total de cargos, em relação a 1999 percebe-se uma relativa melhora. As mulheres passam de 41% para 43% dos DAS, mas o aumento é mais significativo nos cargos mais altos. Contudo, especialmente tendo em vista a grande presen edil;a de mulheres no setor público, não é aceitável que as posições mais privilegiadas ainda sejam majoritariamente ocupadas por homens. Não há ainda, no Poder Executivo, qualquer medida com vistas a reverter este quadro”.

No Poder Judiciário, a situação não é muito diferente. Em 2009, dos 80 cargos de ministros de tribunais superiores, somente 14 eram ocupados por mulheres. O Supremo Tribunal Federal, a mais alta instância do Poder Judiciário, nomeou uma ministra pela primeira vez apenas em 2000, a ministra Ellen Gracie, e mais recentemente mais uma mulher, a ministra Carmem Lúcia, um número pequeno considerando a grande presença de mulheres nas carreiras jurídicas. “Com isso, é possível perceber que ainda há em nossa sociedade muitos espaços a serem alcançados em definitivo pelas mulheres. Em geral, são espaços de poder, prestígio e valor social ainda majoritariamente ocupados por homens. As mulheres são relacionadas ao espaço privado e às atribuições ligadas à reprodução da família, enquanto dos homens se espera muito mais frequentemente a atuação nos espaços públicos”.

A campanha mais mulheres no poder é citada como uma das principais iniciativas do governo federal para alcançar o Objetivo 3 das Metas de Desenvolvimento do Milênio: Promover a Igualdade entre os Sexos e a Autonomia das Mulheres.

Confira - Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – Relatório Anual de Acompanhamento

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A contribuição da mulher na construção do Socialismo

Tomemos a situação da mulher. Nenhum partido democrático do mundo, em nenhuma das repúblicas burguesas mais progressistas, realizou a esse respeito em dezenas de anos nem mesmo a centésima parte daquilo que nós fizemos apenas no primeiro ano de nosso poder. Não deixamos literalmente pedra sobre pedra de todas as abjetas leis sobre as limitações dos direitos da mulher, sobre as restrições do divórcio, sobre as odiosas formalidades às quais estava vinculado, sobre a possibilidade de não reconhecer os filhes naturais, sobre investigação de paternidade etc., leis cujas sobrevivências, para vergonha da burguesia e do capitalismo, são muito numerosas em todas os países civilizados. Temes mil vezes o direito de estar orgulhosos daquilo que fizemos nesse terreno. Mas quanto mais limparmos o terreno do entulho das velhas leis e instituições burguesas, melhor vemos que com isso apenas limpamos o terreno para construir e não empreendemos ainda a própria construção.
A mulher, não obstante todas as leis libertadoras, continua uma escrava doméstica, porque é oprimida, sufocada, embrutecida, humilhada pela mesquinha economia doméstica, que a prende à cozinha, aos filhos e lhe consome as forças num trabalho bestialmente improdutivo, mesquinho, enervante, que embrutece e oprime. A verdadeira emancipação da mulher, o verdadeiro comunismo, só começará onde e quando comece a luta das massas (dirigida pelo proletariado, que detém o poder do Estado), contra a pequena economia doméstica ou melhor, onde comece a transformação em massa dessa economia na grande economia socialista.
Ocupamo-nos bastante, na prática, dessa questão que, teoricamente, é clara para todo comunista? Naturalmente, não. Temos suficiente cuidado com os germes do comunismo que já existem nesse terreno? Ainda uma vez não, e não! Os restaurantes populares, as creches e jardins de infância: eis os exemplos de tais germes, os meios simples, comuns, que nada têm de pomposo, de grandiloqüente, de solene, mas que são realmente capazes de emancipar a mulher, que são realmente capazes de diminuir e eliminar — dada a função que tem a mulher na produção e na vida social — a sua desigualdade em relação ao homem. Esses meios não são novos: foram criados (como em geral todas as premissas materiais do socialismo), pelo grande capitalismo; no capitalismo, porém, em primeiro lugar constituíam uma raridade e, em segundo lugar — e isso é particularmente importante — eram ou empresas comerciais, com todos os seus piores lados: especulações, corrida ao lucro, fraude, falsificações, ou «acrobacias da filantropia burguesa», que eram por justa razão odiadas e desprezadas pelos melhores operários.
Não há dúvida de que nós possuímos um número consideravelmente maior de tais instituições e que elas começam a mudar de caráter. Não há dúvida de que entre as operárias e as camponesas existem pessoas dotadas de capacidade organizadora em número muitas vezes maior do que supomos, pessoas que possuem a capacidade de organizar uma obra pratica, com a participação de grande número de trabalhadoras e de número ainda maior de consumidores e isso sem abundância de frases, sem barafunda, discussões, tagarelice sobre planos, sistemas etc., que são a eterna «doença» de um número infinito de «intelectuais», tão cheios de si e dos comunistas «recém-saídos da casca». Mas, infelizmente, não cuidamos, como seria preciso, desses germes da nova sociedade.
Observai a burguesia. Como sabe fazer magnificamente a publicidade daquilo que lhe é conveniente! Como as empresas, «exemplares» aos olhos dos capitalistas, são exaltadas em milhões de exemplares de seus jornais! Como se faz das instituições «modelo» um objeto de orgulho nacional! A nossa imprensa não se preocupa absolutamente, ou quase nada, em descrever os melhores restaurantes ou as melhores creches, para conseguir, mediante insistência diária, que algumas delas se tornem exemplares; de torná-las conhecidas; de descrever detalhadamente a economia de trabalho humano, a comodidade para os consumidores, a poupança de produtos, a libertação da mulher da escravidão doméstica, o melhoramento das condições sanitárias que se obtêm com um trabalho comunista exemplar, que se podem obter, que se podem estender a toda a sociedade, a todos os trabalhadores.
Produção modelo, sábados comunistas modelo(1*), cuidado e consciência exemplares na colheita e na distribuição de cada pud(2*) de trigo, restaurantes modelo, limpeza exemplar nesta ou naquela casa operária, nisto ou naquilo isoladamente, tudo isso deve ser objeto de atenção e de cuidado dez vezes maiores, tanto por parte de nossa imprensa como de toda organização operária e camponesa. Todas essas coisas são germes do comunismo e o cuidado com tais germes é um dever comum a todos nós; e o dever mais importante.


Notas de rodapé:
(1*) Forma de emulação socialista praticada na Rússia soviética durante os anos da guerra civil. Consistia na prestação gratuita de trabalho, por parte de grandes massas de operários, os quais, em beneficio da coletividade, renunciavam voluntariamente ao repouso a que tinham direito na tarde de sábado. (retornar ao texto)
(2*) Antiga unidade de medida russa, equivalente a cerca de 16 kg
V. I. Lênin
28 de Julho de 1919
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Primeira Edição: De Uma Grande Iniciativa (Sobre o heroísmo das operárias na retaguarda. Com referência aos «sábados comunistas»), escrito a 28 de julho de 1919 e publicado em folheto separado em julho do mesmo ano. (Obras Completas, vol. XXIV, págs. 343-344.)
Fonte: O Socialismo e a Emancipação da Mulher, Editorial Vitória, 1956.
Tradução: Editorial Vitória.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, setembro 2007.
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